Nós ouvimos e julgamos
uma carta sobre o espaço seguro das amizades genuínas
A quem interessar possa
(eu sempre quis usar essa frase)
No último domingo estive entre amigas, num daqueles dias em que a gente começa mil assuntos e não termina nenhum. Daqueles espaços em que a gente se sente em família, por escolha.
Ah, vale citar que, entre todas as pautas do mundo, passamos até pela febre dos tais Labubu - algo que eu não entendo. Meio feios, né?
(aqui entra a parte boa do tal gosto: cada um tem o seu)
Entre risadas e papos soltos, um momento ficou preso em mim - roubando até o hiperfoco do revezamento entre a música do tacacá e o funk do patinho.
Antes de abrir a próxima aba de conversa da nossa reunião dominical, uma delas disse, do nada:
“A Carol vai me julgar…”
Ali eu parei, fiquei dois segundos em leve choque, e respondi por impulso:
"Ah, se liga, talvez eu julgue, mas joga aí na roda - quem sou eu pra julgar, afinal?"
E ela falou.
E eu nem julguei.
Na verdade, concordei com ela.
Vim para casa dirigindo e digerindo aquele pedacinho do dia, e me toquei que mudaria a minha resposta para algo mais profundo. Porque talvez aquele momento pudesse mudar tudo.
A minha resposta não era sobre o assunto que ela soltaria na roda,
mas sobre o tipo de espaço que a gente constrói entre a gente.
(ou, como muitas vezes acontece, era só eu tendo mais uma epifania sobre momentos que talvez fossem só aquilo mesmo)
E quem deixou isso na minha cabeça foi a Nat, do Para dar nome às coisas.
Eu poderia ter respondido que provavelmente julgaria sim - julguei o Labubu -
mas reforçaria a promessa implícita na amizade que criamos: eu as amaria, exatamente desse jeito.
Nesse lampejo, eu me senti grata por termos isso.
Percebi que faz muito tempo que não temo o julgamento nesses espaços que chamo de amizade - e se temo, talvez nem os chame mais assim ;)
Dei uma revisada mental rápida nos meus principais núcleos de amigos e percebi outro motivo de comemoração - e de orgulho da terapia também:
A certeza de que eu sou muito eu “de verdade” nesses espaços -
ainda que eu não seja a mesma em todos eles.
(mas isso fica pra outra carta)
Olhei para o asfalto e lembrei da Brené Brown, dizendo algo como:
“A conexão humana só pode acontecer se permitirmos ser vistos de verdade.”
Naquele domingo, à mesa com um café na mão, eu quis dizer isso com meu olhar.
E é sobre isso, sabe?
O julgamento, no fundo, não é o problema.
A gente julga o tempo todo, de forma automática ou refletida.
O julgamento é um exercício de discernimento, parte da ação ética - ou foi como entendi o sr. Paul Ricoeur.
E a psicologia social também explica que o cérebro humano categoriza e compara como forma de compreensão do mundo - é uma estrutura mental primitiva que ajuda a criar sentido, mas que também pode nos trair favorecendo os tais preconceitos e generalizações, mas esse nem é o ponto aqui hoje.
Realmente, o problema não é julgar.
O problema é quando o julgamento vira veredito.
Ou passe livre pra agir de forma escrota com outra pessoa.
Quando ele carrega consigo o risco de expulsão, de perda de afeto, de quebra de vínculo, de barreira para a autenticidade.
Dá ruim mesmo quando o medo do julgamento faz a gente calar, esconder ou fugir.
E eu entendo que dá medo essa possibilidade de ser julgada.
Talvez por isso, às vezes, a gente só julgue antes.
Como um mecanismo de defesa disfarçado de opinião.
(e isso talvez também fique para outra carta, talvez não)
Voltando à amizade.
A boa. A verdadeira.
Ela acontece nesse lugar onde a gente pode ser imperfeita.
Onde cabe o erro, a escolha esquisita, a compra duvidosa, o pensamento contraditório e o aprendizado.
Onde há espaço para o "não faria isso, mas tudo bem" e para o "discordo, mas fico."
Mais do que isso, onde há amor para dizer:
"Mesmo que eu julgue, eu fico. Eu escuto. Eu te amo."
Porque o amor, genuíno, não é sobre entender tudo - é sobre permanecer.
Agora estou aqui, pensando quantas vezes o amor fica condicionado ao que o outro faz, pensa ou escolhe.
E como é libertador ter com quem a gente pode ser…
sem precisar passar em prova alguma.
Eu diria até que a amizade realmente não exige provas,
só cria solo fértil para o afeto que permanece mesmo quando a gente discorda.
Espero lembrar bem disso daqui pra frente.
Mas se um dia eu esquecer, me lembra?
(E se quiser comprar Labubu, me avisa. Posso até te julgar, mas vai que eu mudei de ideia?)
Com carinho,
Carol
Você sendo você e fazendo aquilo que ama!
Bom demais ver que só estava adormecido e agora o seu dom volta ainda mais forte!
não é fácil ser a gente e tb não é fácil se disponibilizar à verdade do outro. A amizade - o amor, na minha concepção - talvez se trate justamente de investir nesse eterno exercício de ver e ser visto, genuinamente. Tenho a sorte de ser vista por vc <3